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Desativação de teatro na Vila Kennedy prejudica jovens da comunidade

A maioria jovens que participavam de atividades no espaço como oficinas de interpretação e música
Victor Hugo, que fazia teatro no Mário Lago: fechamento do espaço “doeu” Carlos Ivan
Victor Hugo, que fazia teatro no Mário Lago: fechamento do espaço “doeu” Carlos Ivan

RIO - A peça “Inaugura-se um cemitério” foi a última a ser encenada no Teatro Mário Lago, na Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio. No palco, atores da comunidade faziam uma releitura do personagem Odorico Paraguaçu, prefeito obcecado por inaugurar o único cemitério da fictícia Sucupira. Era uma homenagem ao ator Paulo Gracindo, que interpretou Odorico na novela da TV Globo “O bem-amado”, de Dias Gomes. Mas, se os artistas tivessem bola de cristal, poderia ter sido um espetáculo tragicômico inspirado na trajetória do próprio teatro, fechado pela Funarj, que é vinculada à Secretaria estadual de Cultura, no dia 1º de fevereiro, uma semana depois da estreia de “Inaugura-se um cemitério”.

O espaço, na Rua Jaime Redondo, está hoje mais para túmulo do que para teatro: pintada de preto, a grande sala onde ficam o palco e os 168 lugares para o público agora não recebe uma alma viva e está trancada a cadeado. Até janeiro, o Mário Lago era um refúgio de arte e cultura numa comunidade estigmatizada pela violência. Lá, o dinheiro dos impostos pagos pelos cariocas parece não chegar. Enquanto isso, sobram problemas — o mais visível são as pilhas de lixo espalhadas pelas ruas — e visitas de políticos já em pré-campanha.

Victor Hugo Lemos da Silva, de 17 anos, era uma das 250 pessoas, a maioria crianças e adolescentes, que desfrutavam do teatro. Se não fosse o encerramento das atividades, ele estaria agora no único palco da Vila Kennedy e arredores encenando o papel principal de “Que pena ser só um ladrão”, obra de João do Rio.

— Eu interpretava o ladrão. Quando o teatro fechou, tinha acabado de decorar o texto, escrito em seis folhas. Era uma peça longa, só comigo e outro ator, com 1h15m mais ou menos — conta Victor Hugo, aluno do ensino médio do Ciep Tarso de Castro.

No mês passado, sem ter mais onde estudar interpretação, ele entrou na seleção para um curso do Instituto Nossa Senhora do Teatro, no Centro:

— Vendo o “RJ-TV” (da TV Globo), vi que estavam abertas as inscrições e que aquele era o último dia. Saí com um amigo correndo e pegamos o 398 (Campo Grande-Tiradentes). No Caju, só havia nós dois de passageiros, e o trocador falou: “vai ter que descer”. Só tinha dinheiro para a passagem de volta. Ou voltava para casa ou ia andando.

Victor Hugo saiu correndo até o instituto. Eram 3.826 inscritos, sendo que ele foi um dos 300 que passaram. Mesmo assim, a carreira como ator, um sonho para o qual despertou nas oficinas de interpretação no Mário Lago, virou uma incógnita. O adolescente não sabe se terá dinheiro para levar as aulas adiante. Ele tem nove irmãos e vive com sete deles numa casa de sala e quarto na Vila Kennedy. A mãe, Rosilene Lemos, de 45 anos, sustenta a família com o trabalho de empregada doméstica. Para Victor Hugo, o fim do teatro, de uma hora para outra, “doeu”.

No Mário Lago, também eram realizadas oficinas gratuitas de áudio e vídeo, violão, percussão, dança e desenho. Nos fins de semana, eram montados espetáculos por grupos locais, com ingressos entre R$ 2 e R$ 5. O carteiro Sandro Mendes, correspondente do portal Viva Favela, vem denunciando o drama dos órfãos do Mário Lago, entre eles a sua filha, Júlia, de 8 anos, que faz dança e se apresentava com a sua companhia no endereço.

— No segundo semestre do ano passado, já tentaram fechar o teatro, mas nós, moradores, conseguimos mantê-lo aberto — diz ele.

O espaço abrigou ainda, em 2012, um festival de cinema, lotando por três dias.

A Funarj afirmou, por e-mail, que tinha apenas uma permissão de uso do imóvel do teatro, concedida pela Companhia Estadual de Habitação (Cehab), a quem pertence o prédio. Em 14 de março, a fundação devolveu o endereço à Cehab, “para concentrar seus esforços nos espaços culturais que são efetivamente seus”. No entanto, um ofício da secretaria, na fachada do teatro, diz que o fechamento é “temporário, para revisão dos recursos de prevenção de incêndio e pânico”, e que as atividades “serão retomadas o mais rápido possível”. Procurada, a Cehab afirma estar “disposta a analisar qualquer proposta que vise à manutenção de atividades culturais no lugar”.

Na Vila Kennedy, vivem 22.976 pessoas.

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